Lisbon Público, September 10, 2009

From The Elvis Costello Wiki
Jump to navigationJump to search
... Bibliography ...
727677787980818283
848586878889909192
939495969798990001
020304050607080910
111213141516171819
202122232425 26 27 28


Lisbon Público

Portugal publications

Newspapers

Magazines


European publications

-

Secret, Profane & Sugarcane

Elvis Costello

translate
   João Bonifácio

Há dados que, não fazendo parte de uma biografia oficial, nem por isso são mais improváveis. Por exemplo: é quase certo que Elvis Costello, quando era pequenino, não tenha bebido leitinho nem brincado com rocas. Não, Elvis tomava anfetaminas e tocava os discos da avó, uma colecção que (podemos avançar) incluía velhas canções de dança irlandesas, ragtime, muito hillbilly, o som de New Orleans, operetas alemãs, marchas militares, o R & B swingado de quando os pretos eram pretos e, muito possivelmente, vários singles que tiveram a honra de servir de "jingle" a anúncios de sabonete na década de 50.

Costello começou a editar em 77, quando a new wave era rainha, o punk descobria África e tocar mal era uma arte. Mas Elvis, enciclopédia viva do rock e seus ancestrais, sempre foi um satélite com órbita muito própria. Era demasiado ABBA para os punks, demasiado agreste para a pop maricas dos sintetizadores, demasiado melodioso para os experimentalistas, demasiado cínico para os niilistas. E tinha, definitivamente, demasiada música na cabeça. Enquanto conseguiu sintetizar as ideias e pô-las ao serviço de melodias que, no fundo, eram clássicas, foi extraordinário. Quase tudo no mundo é complicado, por isso aqui fica uma verdade simples: tudo que Costello escreveu entre My Aim Is True (1977) e This Year's Model (1982) é magnífico.

Mas depois Elvis perdeu o pé. Ok, dou de barato que em 1986 assinou um belo disco, Blood & Chocolate (talvez inspirado pelas aprazíveis inutilidades mencionadas no título). Mas quase tudo o resto é negligenciável. Costello pareceu ter perdido a capacidade de sintetizar as suas influências num rebuçado melódico de três minutos e, como um médio centro demasiado guloso e que não levanta a cabeça, tornou-se barroco, demasiado adornado, complicado e chato, chato, chato.

Spike, Mighty Like A Rose (apesar da magnífica abertura com "The Other Side Of Summer") e The Juliet Letters são belos exemplos dessa fase de dejectos.

Entretanto, no meio da profusão de estilos a que Costello se atirou, sempre houve ali uma paixoneta pela "americana" - aliás, em 1981 Costello assinou, em Almost Blue, um belo disco de versões country, em que recuperava cantigas de Hank Williams e Gram Parsons (entre outros).

É mais ou menos esse o território de Secret, Profane & Sugarcane, o seu mais novo disco, com a diferença de se tratarem de originais. Secret... foi gravado em Nashville e exala por cada poro a herança de Parsons a que se deu o nome de country-rock: uma espécie de blues electrificado, que vive do rame-rame das guitarras (que evocam grandes prados e pores-de-sol sem fim), do queixume da slide-guitar e do ranger de dentes do dobro (uma guitarra com um som muito específico). Nessa coisa vasta a que se chama "o som de Nashville" cabe tudo, portanto: o cajun, o blues, a música de New Orleans, a música apalache, as cantigas de roda irlandesas, desde que cada género seja submetido a um processo de esbranquiçamento e a instrumentação inclua sempre, mas sempre, uma slide-guitar. E, de preferência, um(a) vocalista de tom parolo.

Secret, Profane & Sugarcane é quase, quase o disco-síntese de todo esse imaginário. A slide guitar, o violino e o dobro dominam o disco, as idas ao blues ("Complicated Shadows" e "Sulphur To Sugarcane") são devidamente albinas, há um punhado de canções para bater o pezinho em que o violino, como é de bom tom, brilha e, como manda a regra, três em cada cinco canções são de dor-de-corno - e um par delas ("I Felt The Chill" e "How Deep Is The Red") teria sido perfeito na voz do grande Webb Pierce.

O que falta, então a este exercício de estilo para ser um disco demolidor? Falta aquilo que Pierce, Merle Travis, Ray Price e Hank Thompson tinham, por mais parolos que fossem (e eram): intestino, pura crença na lamechice que cantavam. De onde se conclui que a Costello só lhe fazia bem ser menos esperto.

-

Público, September 10, 2009


João Bonifácio reviews Secret, Profane & Sugarcane.

Images

Secret Profane & Sugarcane album cover.jpg

-



Back to top

External links